Mundo Cíclico x Mundo Linear
As civilizações pré-cristãs que habitavam a região da Europa até meados do século XII desenvolveram uma visão de mundo não-linear, ou seja, sua organização social, seus mitos e ritos levavam em conta a percepção de que o tempo (tanto em um aspecto macro quanto em um aspecto micro) funcionava em ciclos. Um dia era um ciclo do nascer ao pôr do sol, que se repetiria no dia seguinte, um ano era um ciclo inteiro das quatro estações e daí em diante.
Durante a Idade Média, quando esses povos passaram pelo processo de cristianização houve uma colisão das duas perspectivas (a linear representada pelo cristianismo “o Alfa e o Ômega”, “O Gênesis e o Juízo Final” e a cíclica dos povos politeístas mais ligados aos ciclos da natureza) e o resultado disso foi algo diferente, uma visão nem tão cíclica e nem tão linear, exatamente com base nessa visão é que o Ocidente moderno foi construído. Sem muito esforço é possível perceber as influências de ambas visões em nosso dia-a-dia, afinal nós contamos os anos de forma linear (2018, 2019, 2020…), mas também nos relacionamos com eles de forma cíclica (depois de dezembro temos janeiro novamente).
“Ok, entendi, mas qual é o ponto?”
O objetivo dessa introdução foi apresentar a você leitor argumentos que contextualizem a importância que a perspectiva cíclica ainda tem sobre nossa relação com o mundo.
O Caminho do Mago
Se você prestou bem atenção nos parágrafos anteriores a essa altura já deve ter percebido então que o caminho do autoaprimoramento talvez não seja linear. No meio em que estamos inseridos muito se fala sobre construir conhecimento, aprender mais (seja sobre determinados sistemas mágicos, funcionamento de oráculos ou sobre o mundo e si mesmo), mas a questão que eu quero trazer com esse texto é: e depois?
Por vezes ficamos muito centrados naquilo que estamos buscando que não paramos para refletir sobre a razão, o objetivo por trás da busca. Ter em mente o “fim” durante o processo nos ajuda a discernir melhor algumas coisas durante a caminhada, ao pensar o “para que?” nós conseguimos nos manter mais facilmente fiéis ao objetivo no momento que falta confiança e também, compreender que as vezes o mais coerente é abandonar aquele caminho e seguir por uma outra trilha.
Neste ponto pego emprestas as palavras do filósofo Friedrich Nietzsche ao refletir sobre a subida da montanha:
“Ah, mar e destino! Rumo a vós devo agora descer! Acho-me diante de minha mais alta montanha e de minha mais longa caminhada: por isso devo antes descer mais profundamente do que jamais desci: – descer mais profundamente na dor do que jamais desci, até sua mais negra maré! Assim quer meu destino: pois bem, estou pronto.” – Assim Falava Zaratustra (1883).
Portanto, após escalar a mais alta das montanhas e chegar ao seu cume, só restará um caminho, aquele que lhe conduz de volta ao chão.
Conclusão
Jan Fries em seu livro Magicka Visual (2018)propõe ao leitor uma reflexão semelhante: “Como você aterra o seu trabalho, seu prazer, sua inspiração? O que acontece com as suas visões depois que você desfruta delas? Como você expressa aquilo que experimenta?” e “o que você faz quando a Kundalini chega ao topo, quando a consciência atinge Kether?”. Bem, uma resposta possível para isso está na percepção cíclica da vida, o caminho natural parece fazer mais sentido.
Na estrutura narrativa da Jornada do Herói (ou Monomito) desenvolvida por Joseph Campbell o momento determinante da aventura é o chamado “Retorno com o Elixir”, quando o protagonista, após encarar todos os desafios, morrer e renascer, volta ao lugar comum onde a aventura começou, mas agora carregando consigo todo o aprendizado daquela experiência, o que lhe possibilita enxergar aquele mundo ordinário de uma forma mais ampla e mais aprofundada.
No hermetismo nós não devemos desconsiderar o equilíbrio, ao subir aos céus haverá a necessidade de se aterrar em algum momento, a cauda do Ouroboros encontra novamente sua cabeça, acima de Kether está, novamente, Malkhut. E para finalizar, eu não poderia deixar de citar um dos meus artistas favoritos, o rapper, escritor e compositor Djonga, que poderia em nestes poucos versos poderia resumir toda a potência desse texto:
“Irmão, você lembra de onde ‘cê vem?
E quando você chegar lá
O que ‘cê tem vai voltar pra de onde ‘cê vem?
Ou ‘cê nem sabe pra onde vai?” – Bença (2019).
.|.LAm.|.
Olá aqui é a Selma Lima, eu gostei muito do seu artigo seu conteúdo vem me ajudando bastante, muito obrigada.