O que é a falha para você? Como você se relaciona com a falha? Você é uma falha?
Acredito que esse seja um assunto um tanto quanto polêmico graças a nossa cultura ocidental, fortemente embasada em conceitos Cristãos e com uma educação básica que utiliza métodos de avaliação punitivos. Me parece que a sociedade nos proíbe de falhar. Sempre devemos atingir a excelência em tudo, mas nunca falhar. Então, qual os reflexos disso em nossa sociedade? Quais os reflexos disso em nós quanto indivíduos?
Sou praticante de artes marciais japonesas, e também entusiasta da cultura japonesa, e então, muito de meu entendimento da realidade parte de conceitos que aprendi em minha “jornada marcial”. Gostaria de compartilhar um pouco disso com vocês.
Falha em japonês é Shippai (失敗), que é uma palavra composta por 2 Kanjis, o primeiro (失) é “erro”, e o segundo (敗) é “falha”. Desta forma, nós falhamos porque cometemos um erro, e nós cometemos um erro porque ainda não somos bons o bastante naquilo que fazemos. E esse é o processo de aprendizado. Entendo que sempre que formos aprender alguma coisa, qualquer coisa, cometeremos vários erros até de fato atingirmos certa “excelência”.
No Japão também existem três conceitos:
Taihen (大伝)
Kuden (口伝)
Shinden (神伝)
Aqui é interessante salientar o último Kanji dos três termos: 伝 (Hen, ou Den) que significa transmissão ou mudança. Assim, pode-se obter o seguinte entendimento dos três conceitos:
Taihen (大伝) – Tai (大) pode ser traduzido como corpo. Portanto, é a transmissão de conhecimento através de ações do corpo, como repetir a mesma coisa várias vezes, por exemplo;
Kuden (口伝) – Ku (口) nesse contexto pode ser traduzido como oral. Portanto, é a transmissão de conhecimento de forma oral, ou textual. É basicamente o que estamos fazendo aqui, ou que fazemos quando estudamos algum livro ou artigo, ou quando participamos de cursos, palestras, seminários, colóquios, etc.
Shinden (神伝) – Shin (神) é muitas vezes traduzido como deus, ou verdade, ou sentimento. Nesse contexto, interpreto como sendo uma transmissão de conhecimento que parte de meios divinos. No entanto, a divindade aqui é o próprio fenômeno experienciado. Ou seja, é um tipo de conhecimento que não pode ser passado das maneiras anteriores, que deve ser experienciado pelo indivíduo.
Então, dentro do que eu conheço, em minha área de estudos, o processo de aprendizagem baseia-se nesses três conceitos. Primeiro você vai copiar o que se deve fazer, aqui é o Taihen (大伝). Depois, você começa a cometer erros, e estuda maneiras de corrigi-los, seja buscando novas fontes, buscando ensinamentos ou conselhos de amigos, mestres, etc. Isso é Kuden (口伝). Por fim, você internaliza o conhecimento e o torna inconsciente, não precisando mais pensar passo a passo o que fazer. Isso é Shinden (神伝).
Exemplos comuns desse processo de aprendizagem são vistos facilmente em nossa vida, como por exemplo, quando aprendemos a andar de bicicleta, ou nadar, ou tocar algum instrumento, ou dançar, ou meditar.
Bom, mas então a pergunta é: O que há após o Shinden (神伝)? Seria o fim do processo? A sabedoria absoluta sobre determinado conhecimento ou aspecto? Não, eu acredito que não. Em minha atual concepção, o que está depois do Shinden (神伝) é o próprio Taihen (大伝), e após o Taihen, outro Kuden, e outro Shinden, e assim sucessivamente. Em outras palavras, acredito que o processo seja contínuo, porque sempre há como e onde se melhorar.
O que me chama atenção nisso tudo é que em todo esse ciclo contínuo de aprendizado, o motor que leva a mudança e a transformação é justamente o erro, a falha. É isso o que nos leva a buscar soluções, a buscar como agir de forma mais assertiva, em qualquer aspecto. Assim, acredito que a tão falada “excelência” leva tempo, e é construída sobre inúmeras falhas.
Portanto, será que devemos ter tanto medo assim das falhas? Devemos evitá-las, negá-las, tentar a todo custo fugir delas? É tão vergonhoso estar errado sobre algo? É tão vergonhoso admitir que estava errado, ou que não sabe de algo? Quantas experiências perdemos pelo medo de errar? Quantas oportunidades negligenciamos pela hesitação ante a possibilidade de falhar? Será que isso realmente faz sentido?
Masaaki Hatsumi Sensei (o Tetsuzan, o velho do Jiraiya, literalmente) tem uma frase muito interessante sobre isso: “Você já tentou? Já falhou? Não importa! Tente novamente. Falhe novamente. Falhe melhor!”
Por fim, será que estamos preparados a aceitar as falhas, e aprender a falhar melhor? A aprender a ser uma falha melhor?
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Muito bom, obrigado!